Depressão no masculino durante a gravidez e o pós-parto

Os homens podem ter depressão durante a gravidez e o pós-parto?

Sim, podem! A depressão perinatal paterna não tem uma definição consensual, nem é reconhecida formalmente como uma psicopatologia. Por isso é que se recorre à definição da depressão perinatal materna para a definir. Mas não deixa de existir, e muitas vezes está muito camuflada.

Qual a percentagem de homens afetados a nível mundial? E em Portugal, o que revelam os números conhecidos?

A depressão perinatal paterna tende a desenvolver-se de forma mais gradual em comparação com a materna, sendo o período crítico para o seu surgimento situado entre os 3 e 6 meses após o parto, com uma prevalência de 10,4% dos homens.

Os estudos revelam ainda que há uma maior probabilidade de depressão entre os 3 e 12 meses pós-parto nos homens, nos casos em que as parceiras se encontrem deprimidas durante a gravidez ou nos 3 primeiros meses pós-parto.

Quais as causas e os sintomas?

Ainda que não existam critérios específicos para a depressão perinatal paterna, conhecemos os fatores de risco que estão associados, ou seja, os fatores que podem aumentar a probabilidade da incidência da doença. Os principais fatores de risco são a depressão perinatal da mãe, a história de doença mental ao longo da vida e desequilíbrio na relação conjugal. Mas há outros a considerar, como a mudança na dinâmica da relação familiar e do estilo de vida, a frustração das expectativas em torno da nova figura de pai idealizado como envolvido e participativo, os sentimentos de exclusão do vínculo mãe-filho, a falta de modelos de parentalidade e de redes de apoio na vida daquele pai, o aumento dos encargos financeiros, o stress psicológico presente durante a gravidez ou psicopatologia prévia.

Mas no fundo, pais deprimidos tendem a exibir os mesmos sintomas que uma mãe deprimida: tristeza persistente, perda de interesse mas atividades que antes eram prazerosas, alterações do sono e apetite, agitação ou lentificação nos movimentos do corpo, falta de energia, sentimentos de culpa ou inutilidade, dificuldades na concentração ou tomada de decisão e em casos mais graves, ideação ou tentativa suicida ou infanticídio.

Adicionalmente, os homens com depressão perinatal têm outras características acentuadas: é possível observar um aumento da impulsividade, irritabilidade, agressividade e consumo de álcool e drogas.

Esta situação é negligenciada na nossa sociedade?

Do meu ponto de vista, acredito que sim, e por duas razões: a falta de informação em relação ao assunto (pela população em geral e até por profissionais de saúde), e pelo preconceito que há em relação ao homem e à procura de ajuda para a saúde mental. Há imensos problemas na vida dos pais que acabam por ser mal interpretados, o que conduz à dificuldade em diagnosticar corretamente. Por exemplo, a irritabilidade do pai (que pode ser um sintoma de DP) pode ser justificada com o choro excessivo do bebé, ou se o pai se sente excluído da relação mãe-bebé. Da mesma forma, o maior tempo dedicado ao trabalho pode ser entendido como uma necessidade de manter o seu papel como “ganha-pão” (como às vezes ainda é atribuído na sociedade), em vez de um comportamento de evitamento que também é comum na depressão.

E para dificultar ainda mais a procura de ajuda qualificada, há imensos sintomas de depressão que podem ser facilmente confundíveis com queixas “normais” durante os primeiros meses pós-parto: o cansaço, as alterações no sono e na alimentação,  ou a irritabilidade. Esta normalização dos sintomas desencoraja os pais de falar sobre o que sentem e sobre o que está a ser difícil, o que faz com que a ajuda não chegue de forma adequada.

Considera que o apoio prestado aos homens, à medida que a visibilidade do papel ativo e participativo do pai durante a gravidez e pós-parto aumenta, cresce também?

Quero acreditar que sim. Já há cursos de preparação para o parto com a participação de psicólogos na área perinatal, e com técnicos com formação na área, que informam os pais de sinais de alerta que podem surgir, e o que devem fazer caso tal aconteça.

E à medida que os pais também vão participando mais nas consultas pré e pós natal, e especialmente se o profissional de saúde estiver bem informado, é possível detetar os sinais precocemente, e prevenir o avanço da doença. Ainda assim, os procedimentos rotinados para avaliar a saúde e bem-estar dos pais ficam muito aquém daquilo que seria o desejável.

Quando o bem-estar do pai fica para terceiro plano, quais as consequências para o homem?

Alguns dos efeitos sentidos pelo homem estão na satisfação com a relação,  e no sentimento de proximidade e interesse sexual que tendem a diminuir ao longo do tempo. O tempo e atenção que o recém-nascido exige refletem-se em menor disponibilidade do casal se focar na sua própria relação, o que também pode potenciar esta tensão no ambiente familiar!

O que pode o homem fazer para ultrapassar a depressão durante a gravidez e pós-parto?

Procurar ajuda é imperativo! Atendendo a que o contacto é mais intensivo com os profissionais de saúde no período de gravidez e dos primeiros anos de vida da criança, estes podem ser momentos privilegiados para a prevenção, intervenção e promoção de cuidados de saúde (mental também!).

A ajuda psicológica, médica e da rede de suporte (família e amigos) são peças fundamentais para gerir sintomas depressivos.

Existe tratamento?

A intervenção psicológica individual, a participação em grupos de apoio de pais para partilha de experiências, e até uma intervenção ao nível do casal oferecem bons prognósticos na gestão da sintomatologia. Mas deve haver uma avaliação médica e a intervenção deve ser multidisciplinar!

A investigação diz-nos que o acompanhamento específico dos pais durante 6 semanas após o nascimento da criança (materiais sobre educação e apoio social; informação sobre as várias etapas do desenvolvimento do bebé, estratégias de redução de stress e sintomas de depressão pós-natal), diminui a sua ansiedade, preparando-os para a recepção e integração do novo membro da família.

Estas situações têm alguma ligação com a síndrome de couvade?

Podem ter! A Síndrome de Couvade compreende a depressão no seu conjunto de sintomas, assim como outros sintomas que são coincidentes com os da depressão: alterações no sono e no apetite, cansaço, irritabilidade, agitação, diminuição da libido e menor capacidade de concentração.

Além disso, também há estudos que nos mostram que o stress, a ansiedade e a depressão aumentam a probabilidade de desenvolver esta síndrome, quase como se fosse causa e efeito.

Quando devem os homens procurar ajuda especializada?

Quando os sintomas são persistentes e causam mal-estar significativo na vida da pessoa, está na hora de pedir ajuda! Não é preciso haver um diagnóstico para se ser acompanhado.

Que mitos sobre o tema importa desmistificar?

A depressão em si mesma, independentemente da pessoa que afeta, é uma patologia ainda hoje longe de ser socialmente encarada como uma outra doença qualquer. Muitas vezes ela não é apenas desvalorizada, como se culpabilizam os seus portadores por sofrerem depressão. Este cenário que já não é bom, agrava-se quando a depressão se observa em indivíduos que acabaram de ser mães ou pais, porque ainda se pensa que este momento deve ser o mais feliz, sereno e bonito da vida dos pais. Quando é vivido com angústia e tristeza,  surge então a vergonha e culpa!

Mas a verdade é que o período perinatal é um dos momentos mais vulneráveis para o surgimento de doença mental.

Algo a acrescentar?

A depressão perinatal paterna devia ser considerada um problema de saúde pública, e como tal, reconhecido por profissionais de saúde e pela população geral para que mais facilmente se possam reconhecer as causas e os sinais, com o objetivo da prevenção e detecção precoce.

A participação em aulas, cursos e workshops para a preparação dos pais para a parentalidade assim como os incentivos do Estado social (licenças de parentalidade), estão associadas a uma atitude mais positiva face à parentalidade, mas ainda há muito caminho a percorrer no que toca à saúde mental perinatal!

2024 – Dr.ª Carmen da Silva 

Psicóloga Clínica Perinatal

Leia também – Saúde Mental e como a mulher pode lidar com a ansiedade na gravidez

Referências

Brites, T. J. D. C. (2016). Depressão pós-parto paterna: família em risco (Doctoral dissertation, 00500:: Universidade de Coimbra).

da Costa Matos, D. (2012). Contributos para a Compreensão da Vivência da Gravidez no Masculino-A Couvade (Doctoral dissertation, Universidade Catolica Portugesa (Portugal)).

Scarff, J. R. (2019). Postpartum depression in men. Innovations in clinical neuroscience, 16(5-6), 11.