Sexualidade

Apesar dos receios, preconceitos e medos ligados ao assunto, homens e mulheres estão cada vez mais dispostos a viver este tempo intensamente. Descobrindo novas formas de prazer, caminhando ao encontro do desejo um do outro.

“Nunca sentimos qualquer alteração ao nível do desejo sexual, nem eu nem o meu marido. Mas como nas primeiras semanas de gravidez tínhamos receio de prejudicar o bebé e eu vir a abortar, a nossa actividade sexual passou a ser mais pensada”, comenta Cátia N, 32 anos, explicando que logo depois superaram os receios, mantendo a mesma frequência nos encontros sexuais, sensivelmente até ao último mês. “Por essa altura estava muito pesada e cansada, a Inês estava quase a nascer, pelo que a actividade diminuiu um pouco”.
Dois anos depois, esta professora de Lisboa está novamente grávida, mas a gestação do Dinis não está a ser “tão santa” como a da irmãzinha. Um pouco pesada, pois o bebé nasce daqui a um mês e meio, mas muito bem-disposta, Cátia N revela a sua intimidade sem pudores numa cama da sala 114 da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, em Lisboa, onde está internada devido a uma gravidez que passou a ser de risco. São 18 horas de uma tarde de Outono chuvoso, e os vários compartimentos daquela unidade enchem-se de homens que vêm dizer ‘até amanhã’ às suas companheiras. Trocam-se afagos e palavras, sonha-se e fazem-se projectos. Não há como não ouvir do que falam, apesar de sussurrarem. A proximidade das camas torna a privacidade relativa.

“O Dinis tem dado mais trabalho. Logo no terceiro mês comecei a perder sangue, pelo que o médico proibiu as relações com penetração vaginal”, explica Cátia, admitindo que foi “um pouco difícil acatar o conselho”, pois a proibição parecia vir aumentar o desejo dela como o do companheiro.

“Sempre tivemos um entrosamento sexual muito grande, mas também uma capacidade de diálogo muito boa, pelo que trocamos ideias sobre o assunto e arranjamos alternativas”. Tornaram-se “ainda mais criativos”, diz, descobrindo e apurando outras formas de prazer, igualmente prazeirosas para ambos.

É altura de ditar novas regras

Quando a gravidez acontece, alterações hormonais tomam conta do corpo da mulher. Mas não só! Também surgem alterações emocionais urgentes que ela precisa aprender a gerir, ao mesmo tempo que tem que enfrentar crenças e preconceitos relativamente ao seu novo estado. Nos homens, também o desejo sexual e de actividade sexual podem conhecer outros contornos. E, no limite, os mitos relativamente à gravidez, presentes em ambos os elementos do casal, ditar novas regras.
A gravidez é um tempo de crise para o casal, de acordo com algumas teses. E a actividade sexual durante este tempo um assunto ainda pouco abordado. Ao que parece, os casais têm algum receio de pedir informações, detectando-se na maioria deles uma diminuição da actividade sexual em 40 a 60 por cento.
Em “Sexualidade na Gravidez e Após o Parto” (Editora Clínica Psiquiátrica dos Hospitais Universitários de Coimbra), Ana Isabel Silva e Bárbara Figueiredo escrevem que “o período de gravidez e pós-parto é caracterizado por mudanças biológicas, psicológicas, relacionais e sociais intensas, que podem ter uma influência directa e indirecta na vivência da sexualidade”. Várias investigações a respeito apontam que a gravidez e o pós-parto “constituem uma fase crítica para o início ou o agravamento de problemas sexuais”, uma vez que o desejo e o interesse sexual “tendem a diminuir”.
Segundo Ana Isabel Silva, investigadora no Departamento de Psicologia da Universidade do Minho e na Maternidade Júlio Dinis, no Porto, e Bárbara Figueiredo, professora associada do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho, as alterações que ocorrem no corpo da mulher ao longo do tempo de gestação, por vezes dão lugar “a sentimentos de perda de auto-estima devido a percepções subjectivas de fraca atractividade física e incapacidade de sedução”, escrevem na tese “Sexualidade na Gravidez e Após o Parto”. Ora, como se sabe, quando este sentimento ocorre é bem possível que o desejo tenda a se retrair.

Importância das alterações da imagem corporal

A gravidez tem, de facto, um impacto nos padrões de relacionamento sexual do casal, o qual varia nos diferentes trimestres. Pelo menos é o que garante um estudo recente sobre a sexualidade na gravidez, desenvolvido pela psicóloga clínica Patrícia Pascoal, em parceria com Helena Carmo, do Centro de Saúde de Alvalade, Lisboa. «A relação com as alterações da imagem corporal é um dos factores mais referidos como estando associado às alterações na sexualidade, quer pela sensação da mulher de que está indesejável, quer, por outro lado, pela sensação de que os peitos e as curvas estão mais apetecíveis», diz Patrícia Pascoal.
Da mesma forma que algumas mulheres convivem melhor com as suas formas redondas, achando inclusivamente que estas a tornam mais femininas e atraentes, também alguns homem admitem sentirem – se mais atraídos. De qualquer forma, homens e mulheres deste grupo parecem estar em minoria.
A relação de Cátia N com o corpo tentou ser o mais natural possível, assegura a própria, de forma peremptória. «Não convivo mal com as alterações corporais mas também não as elogio ou acho que me tornaram mais sedutora.»

Seja como for, «hoje em dia a mulher grávida pode ser atraente, sexy e desejável, desde que assim o deseje», observa a sexóloga Marta Crawford, autora do livro “Viver o Sexo com Prazer” (Esfera dos Livros), lembrando que apenas há duas décadas e meia, por exemplo, a roupa disponível para grávidas era muito má, sem graça. As mulheres tinham que andar todas tapadas, com vestidos largos. «Hoje, a oferta é muito interessante e abundante, da mais cara à mais barata. Há modelos giríssimos, decotados, e na praia as grávidas andam de biquíni. Actualmente há uma cultura da grávida que é uma mulher bonita e sexy.»

Os receios do casal

“O meu interesse sexual pela Marta manteve-se igual”, observa Fernando C, 30 anos. Convivendo naturalmente com as alterações corporais da companheira, este criativo de profissão admite que era unicamente “o receio de a magoar e ao bebé, que fazia com que não estivesse tão descontraído” no momento de fazerem amor, nos primeiros tempos de gestação.

Marta C, 30 anos, professora, anui relativamente a estes primeiros tempos: “Sentia o Fernando sempre um pouco receoso. No fundo ele sabia que [a actividade sexual] não fazia mal algum ao bebé, estava esclarecido a esse respeito, mas não conseguia evitar. Penso que é mais psicológico do que outra coisa.” Quanto à sua própria experiência no que respeita a eventuais alterações do desejo, admite não ter sentido qualquer flutuação. “Nem mais nem menos, era um desejo perfeitamente igual ao de antes de ter engravidado”.
Também o estudo sobre a sexualidade na gravidez, levado a cabo o ano passado pelas especialistas portuguesas, demonstrou que para algumas mulheres e companheiros “a existência do feto é perturbadora quer pelo receio de magoá-lo com práticas coitais, quer pela sensação que ‘o bebé está a ver’”, explica a psicóloga clínica Patrícia Pascoal, acrescentando que também existe o receio de que o sexo possa precipitar o parto. De qualquer forma, esclarece que a globalidade dos casais que entraram no estudo português, referiam manter uma vida sexual satisfatória durante a gravidez.

Mitos sobre a sexualidade

Os mitos sobre a actividade sexual durante a gravidez encontram-se classificados e constituem, por vezes, um obstáculo relevante a uma relação gratificante. Histórias de que as relações sexuais podem causar aborto no primeiro trimestre, que as grávidas não sentem prazer ou que a penetração pode magoar o bebé atravessaram os séculos. Ainda hoje sobrevivem, apesar da vitória da ciência. São fantasmas ancestrais a interferir em campos tão importantes e íntimos da nossa vida. Da mesma forma, se foi cultivando a lenda de que o orgasmo pode afectar o desenvolvimento fetal e que o bebé é capaz de ver e ouvir a partir do útero, assumindo o papel de observador. E, por fim, que o sexo [leia-se com penetração] se torna mais difícil na gravidez, o que de todos poderá encerrar uma verdade relativa.

Importância da criatividade

Mas para a qual há um ‘remédio’ simples. Chama-se criatividade na procura do prazer, através de outros jogos e posições sexuais.
Tabus e ideias feitas à parte, a relação sexual com penetração é perfeitamente inofensiva durante a gravidez desde que não exista contra-indicação médica expressa. “E quando há contra-indicações nesse sentido, isso não quer dizer que o casal fique impedido de se relacionar intimamente e não tenha outros comportamentos sexuais”, diz-nos Marta Crawford esclarecendo que ainda existe muito a ideia errada de que sexo é penetração. “A mulher pode estar impedida de ter uma relação coital, mas não está impossibilitada de ter outro tipo de sexualidade como a masturbação ou o sexo oral, por exemplo, que podem ser perfeitamente praticados se ela se sentir à-vontade e necessidade”. A especialista aconselha as mulheres que tem contra-indicação médica para a actividade sexual a pedir sempre ao especialista que a clarifique exactamente sobre o que lhes está realmente interdito.
Marta C está agora a um mês de ter o primeiro filho, vai ser uma Leonor, e com contra-indicação à actividade sexual. Na consulta de rotina das 28 semanas, a médica avançou a possibilidade de um parto prematuro. Aconselhou-a “a abrandar o ritmo” de vida, e relativamente “às relações sexuais, que fossem suspensas.”

Diálogo aberto é regra de ouro

A jovem professora desabafa a propósito: “Agora que estou com 35 semanas, sinto que também já deveria ser um pouco desconfortável termos relações mas, por outro lado, também sinto falta desses momentos de intimidade”. De momento, “a quantidade de almofadas que me tentam apoiar as costas, são uma barreira para os abraços e carinhos, que foram substituídos por festas e conversas com a barriga”.
A regra deste casal, desde o primeiro momento, tem sido falar do que vinham e foram sentindo e das dificuldades práticas, dialogando sempre no sentido de, juntos, encontrarem soluções. Têm conseguido. Tal como Catia N e o companheiro.

O diálogo aberto é indicado por todos os especialistas como o melhor instrumento para ultrapassar receios, e não permitir que mal entendidos se instalem. Isto é, que sentimentos de incompreensão, rejeição e insatisfação tomem conta da intimidade do casal no dia-a-dia.

Implicações das alterações físicas

Seja como for, há alterações físicas que não devem ser descuradas à medida que a gravidez progride, podendo em alguns casos alterarem o interesse sexual feminino. Neste caso, não se trata de mitos, mas coisas concretas que podem fazer influenciar o interesse sexual e diminuir a actividade sexual.
No primeiro trimestre de gravidez, por exemplo, ao mesmo tempo que novos pensamentos e sentimentos invadem a mulher, esta começa a sentir pequenas alterações físicas, corporais, e sintomas que podem fazer diminuir o seu interesse sexual. Entre muitas outros, a vagina fica mais sensível, a tensão mamária aumenta e podem surgir náuseas e vómitos. No segundo trimestre, porque ocorre uma diminuição dos desconfortos iniciais, o desejo sexual pode reacender, voltando a diminuir uma vez mais no último trimestre, pois os desconfortos voltam a aumentar, entre eles a fadiga.
A experiencia da gravidez não é vivida da mesma forma por todas as mulheres, uma sentem o interesse sexual aumentar outras diminuir, podendo o mesmo acontecer com o homem face ao corpo da companheira em mudança. Mas “o importante é mesmo que o casal possa falar no assunto, no que cada um está a sentir, e encontre formas de se relacionar afectivamente durante este tempo”, comenta Marta Crawford, sublinhando que o fundamental é que o casal mantenha a intimidade. «Porque há a ideia de que a partir do nascimento do bebé tudo se resolve e não é assim. Esta fase é mais difícil do que aquela em que eram só dois, é um momento de adaptação.»

Sexo após o parto

Já no que respeita a retomar a actividade sexual após o parto, «tem que ser a mulher a controlar um pouco o seu próprio corpo. Uma coisa é o médico dizer que ela está fisicamente pronta para isso, e outra coisa é a cabeça dela. A cabeça vai mais devagar», esclarece Marta Crawford, lembrando que no caso de a mulher estar a alimentar o bebé ao peito há mesmo a hipótese de não sentir tanto esse desejo. «O facto de estar a amamentar desencadeia uma alteração hormonal que muitas vezes faz com que haja uma alteração da libido.»
Também o estudo levado a cabo por Patrícia Pascoal e Helena Carmo sobre a sexualidade na gravidez revelou que no 3º trimestre há, de facto, uma diminuição da frequência das relações sexuais e «ainda uma alteração do tipo de práticas, optando muitas vezes o casal por actividades gratificantes que excluem a penetração vaginal», diz Patrícia Pascoal.

Como se comprova neste trabalho, a gravidez pode ser sempre uma oportunidade para o casal descobrir novas posições sexuais, em que ambos se sintam confortáveis, uma vez que a posição mais clássica, a do missionário, a certa altura não se adapta às alterações que o corpo da mulher, então, acabou por sofrer.
Em “Viver o Sexo com Prazer”, Marta Crawford escreve: «As posições em que a mulher fica por cima do parceiro são as mais confortáveis, uma vez que ela pode controlar a profundidade da penetração. A posição de lado é, contudo, uma das utilizadas durante a gravidez. Estando os dois de lado, a penetração é feita por trás, proporcionando assim melhor conforto à mulher, e evitando a compressão sobre a barriga». A posição por detrás, sendo mais uma opção, prossegue, é mais exigente para a mulher, e também mais difícil nos últimos meses de gestação. «Para as práticas não coitais, cada casal deve procurar as posições que forem menos exigentes fisicamente», resume.
Mas tudo deve ser pensado e discutido a dois, através do diálogo. Cada casal deve encontrar, assim, a sua própria forma de se relacionar em mais este aspectos das suas vidas, e da sua intimidade. O fim último deve ser sempre a alegria e a harmonia dos dois, abrindo espaço nas suas vidas para o filho que vai nascer.
Para uma melhor adaptação a este período, a psicóloga clínica Patrícia Pascoal, co-autora de um trabalho sobre Sexualidade na Gravidez, deixa alguns conselhos:
– Obter informação necessária e regular junto do obstetra relativamente à existência de contra-indicações para a prática sexual penetrativa e orgasmo.

– O casal deve conversar sobre as flutuações do desejo de ambos e da relação com a imagem corporal.

– A mulher deve fazer somente o que lhe apetece e a faz sentir bem.

– Deve lembrar-se que é uma fase diferente que coloca novos desafios e que pode experimentar a relação com o corpo de outra maneira.

– É preciso respeitar as suas inibições.

– Retomar a vida sexual quando houver indicação mas apenas se se sentir preparada, não quando lhe disserem que deve.

O que pode acontecer

Alterações que podem ocorrer ao longo da gravidez e influenciar a sexualidade do casal:

-A alteração do interesse sexual feminino – tendencialmente um decréscimo do interesse no primeiro mês da gravidez., e diminuição marcada no 3º, sendo variável no 2º trimestre.

– O decréscimo da actividade sexual durante o período de gravidez.

– A necessidade de mudanças, ao nível do comportamento sexual, com marcada preferência por carícias não genitais.

– Alteração das tradicionais posições sexuais.

– A relação coital, que pode ser substituída pela masturbação e pela introdução de outras práticas sexuais gratificantes para ambos.

Nota: In “Viver o Sexo com Prazer”, Marta Crowford (Esfera dos Livros)

 

Alterações psicológicas

Durante o período de gestação ocorre:

– A preocupação com o parto.

– As alterações voltam-se para o filho que está para nascer.

– Uma diminuição da atenção para com a mãe, o bebé passa a centrar todos os cuidados.

Contra-indicações à actividade sexual

Apenas as seguintes condições constituem razão para suspender a actividade durante o período de gravidez, de acordo com os documentos médicos:

– Ameaça de aborto.

– História de abortos anteriores.

– Placenta baixa.

– Deslocamento da placenta.

– Hemorragia vaginal.

– Rotura de bolsa.

– Incompetência do colo do útero.

– Existência de IST – infecção sexualmente transmitida.

Texto de Lia Pereira

Com a participação de Marta Crawford, licenciada em Psicologia Clínica, pelo Insitituto Superior de Psicologia Aplicada, tendo-se especializado em Sexologia Clínica pelo Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Clínica do Homem e da Mulher, Lisboa.